30.8.05

Ulrich militar

"Naquele tempo, não dava o mínimo valor a expressões pacifistas como 'educação armada do povo', mas recordava com paixão os tempos heróicos de feudalismo, violência e orgulho. Participava de corridas de cavalo, duelava, e distinguia apenas três espécies de pessoas: oficiais, mulheres e civis; os últimos eram uma classe fisicamente não desenvolvida e espiritualmente desprezível, cujas mulheres e filhas eram arrebatadas pelos oficiais. Entregou-se a um pessimismo sublime: parecia-lhe que se a profissão de soldado é um instrumento aguçado e ardente, era preciso queimar e cortar o mundo com esse instrumento, para seu próprio bem".

Porque me ufano de meu país

Em Rio Verde, praticamente todos os habitantes usam telefones celulares clonados em São Paulo. Os locais os chamam de "bodinhos", não sei se por anglicismo ou caprinidade. Os aparelhos são facilmente alugados de fornecedores devidamente habilitados - geralmente jovens delinqüentes de 15 ou 16 anos - e, após o uso, que pode durar dias de ligações internacionais ou para o Tocantins mesmo (nova Meca do deslumbramento migrante), são devolvidos para nova clonagem.
Quanto a vocês eu não sei, mas vejo nisso hábitos revolucionários muito salutares:

- práticas lesivas às empresas telefônicas multinacionais, de grão em grão, causarão sua ruína e a conseqüente libertação final dos povos oprimidos.
- são auto-sustentáveis.
- contam com o apoio tácito ou quase explícito das autoridades civis do lugar que, pouco a pouco convertidas à funcionalidade dessas práticas extra-legais, em breve farão vista grossa aos molotov.
- aumentam o PIB informal do município ao expropiarem os capitais de São Paulo, diminuindo assim as disparidades regionais e popularizando a comunicação digital.
- Confirmada a origem caprina do termo, muito de demoníaco e, conseqüentemente, subversivo, cristalizar-se-á pouco a pouco na fala cotidiana da população, conquistando corações, mentes e dedos (sic).

17.8.05

Guimarães Rosa é o maior

"Falo: português, alemão, francês, inglês, espanhol, italiano, esperanto, um pouco de russo; leio: sueco, holandês, latim e grego (mas com o dicionário agarrado); entendo alguns dialetos alemães; estudei a gramática: do húngaro, do árabe, do sânscrito, do lituânio, do polonês, do tupi, do hebraico, do japonês, do tcheco, do finlandês, do dinamarquês; bisbilhotei um pouco a respeito de outras. Mas tudo mal. E acho que estudar o espírito e o mecanismo de outras línguas ajuda muito à compreensão mais profunda do idioma nacional. Principalmente, porém, estudando-se por divertimento, gosto e distração".

15.8.05

Diacríticos (CMLXXXVI)

Leio em uóis algo sobre o incêndio em Fajao, Portugal.
Ora, dir-me-íeis, o gajo não entendeu como um "a" e um "o" são possíveis juntos assim em nome de cidade ou até mesmo de concelho. Fui descobrir (google's voice is de Deus) que é Fajão, claro, coitaditos.
Um revisor qualquer corrigirá tudo, hora mais ora menos.
Mas o lapso é, também claro, das agências de notícias, coitadas, desprovidas de teclados bem fornidos de coisinhas como um til.
O gerundismo e outras barbaridades putas são filhas da mera preguiça de ir ao Google.

Brasília e Gaza

Há tempos, durante minhas sessões vespertinas de ócio criativo, venho desenvolvendo uma teoria de analogias geopolíticas cujo corolário mais vistoso e cheio de sex appeal será o que envolve nossa capital federal e os ermos desérticos da Cisjordânia e de Gaza. Acompanhem-me, se não for estorvo.
O Distrito Federal, todos sabem, é um retângulo de terra tomado a Goiás desde há muito para que fossem abrigadas as castas de funcionários públicos que, forçadas a deixar o Rio de Janeiro pela realpolitik do Sr. Kubitschek, viram-se sem mais nem menos arrojadas ao cerradão hostil e longe de seus times do coração. Com o tempo e os superfaturamentos, construíram-se superquadras, vias expressas e o PIB per capita de Brasília tornou-se o maior do país, às expensas do resto da população, que lhe sustenta os salários e jetons. O chamado Entorno, ao contrário, é pobre de dar (muito) medo, e abriga no mais das vezes migrantes goianos, mineiros e nordestinos desesperados por um emprego qualquer de faxina, chapa ou até mesmo cafezinho no Plano Piloto. São discriminados, como no resto do Brasil bacana, pela cor da pele e pelo sotaque e, errando no tráfego, ainda sofrem os piores impropérios, atirados pela elite branca e bacana: "goiano!" daqui, "goiano!" dali.
Ora, não saltam aos olhos as similaridades com Israel? No caso desse interessante e belo país, certo dia um bando de burocratas da ONU decidiu instalar no estreito naco de terra erma entre o Mediterrâneo e o Mar Morto um novo Estado. Do dia para a noite multidões de judeus deslocados pela guerra lá se instalaram, dando início à expulsão dos nativos para as bordas e quebradas do território, de quando em quando expandidas em guerras fáceis. (Estimam-se em 4 milhões os refugiados). Hoje os mesmos palestinos são a principal força de trabalho subalterno, e com sangue e suor cuidam da manutenção das fábricas e latrinas israelenses. A leitura dos jornais dispensa-nos de aludir a seu sofrimento nas mãos dos maiorais e novos donos do pedaço, verdadeiro escândalo ainda coroado com um muro à la Berliner.
Ainda comigo? Bem, é que lendo sobre a retirada israelense de Gaza, fiquei matutando sobre a possibilidade de retirar à força e sem indenização alguns moradores legislativos do Plano Piloto. Seus apartamentos funcionais (cerca de 500, fora os dos assessores) abrigariam com folga algumas famílias de miseráveis do Entorno, que teriam ainda o direito de inverter os xingamentos recebidos no trânsito: "goiano, sim, e de Rio Verde!" e...
Mas sei lá.

12.8.05

Vixe

Pelo andar da land rover, teremos muito em breve que nos defrontar com as opções Alencar e/ou Severino, para em seguida cairmos no inominável, se é possível tal gradação entre absolutos grotescos.
A quem tem antepassados europeus detectáveis recomendo o início dos trâmites para a obtenção de dupla cidadania. Passaporte na mão, o negócio será vazar rapidinho: o projeto de 20 anos dos tucanos, após breve e malfadado interregno, periga seriamente vingar.
Quanto a mim, bisneto de mineiros e baianos, começarei a confeccionar os molotov, que remédio, e também me alistarei nas forças bolivarianas da Venezuela que nos ajudarão a combater a praga imperialista tucana e sanguinária. Tudo isso apenas metaforicamente, helas.
Mas Guimarães Rosa opera milagres, Schubert e Mozart existem e é necessário não perder a esperança jamás. Hamas?

11.8.05

Infalível certeza

Os maçons chineses de Liverpool estão claramente por trás dos Beatles, e, por conseqüência, de toda a música pop desde o advento, na década de 1960, do sinistro plano de dominação mundial cuja primeira etapa consiste no envenenamento das mentes dos jovens.
Não será outra a explicação para os olhos levemente puxados de John, cujo sobrenome mal consegue ocultar o temido Li No, apodo pelo qual é conhecida a famosa casta de mercenários ativos desde pelo menos a época Tang. Seu casamento com Yoko, essa notória integrante das fileiras da Rosa-Cruz japonesa, foi um movimento de alianças entre os braços maçônico e rosacruciano da conspiração. Outro dentre tantos indícios está em Imagine, toda ela um hino em louvor ao Governo Mundial que abolirá, consumado o Plano, as fronteiras e os governos.
Quanto a Paul, foi realmente assassinado pelos jesuítas irlandeses responsáveis pela manutenção do temível segredo iniciático, e embora fosse um mero e pífio regular mate de Merseyside, acidentalmente conseguiu descobrir tudo durante uma de suas bad trips com ginger beer. Foi em seguida substituído por um membro da Opus Dei treinado desde criança, na Schola Cantorum de Salamanca, a cantar sempre uma terça abaixo.
Quanto a John, morto em 1981 por um facínora a serviço dos batistas norte-americanos, pode-se especular que tenha sido eliminado numa queima de arquivo, por não ser mais útil aos desígnios do Plano - e mesmo porque, àquela altura, já estava em plena atividade o Elton John, ulteriormente condecorado por Elisabeth II (todos os Windsor descendem de israelitas húngaros enriquecidos com o comércio de betume, e financiadores do Plano).
Desde os 80s, cujo impacto sobre a saúde mental dos fãs de música pop é bem conhecido, esse Grande Plano tem funcionado sem que ninguém suspeite. Seus últimos desdobramentos - boys bands, Latino e Live 8 - mostram que a primeira etapa chega inexoravelmente a uma conclusão exitosa.

8.8.05

O Papel Mata-Moscas

O papel mata-moscas Tangle-foot tem, aproximadamente, trinta e seis centímetros de comprimento por vinte e um de largura; vem revestido de uma cola amarela, tóxica, e sua origem é canadense. Quando uma mosca pousa nele - não necessariamente por voracidade e sim por convenção, já que muitas outras ali se encontram -, grudam-se, em primeiro lugar, suas pequenas patas através dos apêndices externos que se dobram. Uma sensação de todo agradável e estranha, semelhante à de caminharmos no escuro e com os pés descalços pisarmos, subitamente, em algo que não é senão uma suave, quente e incompreensível resistência; algo para o qual pouco a pouco vai afluindo o pavoroso humano, reconhecido como uma mão, que sem se saber por que, ali se encontra e nos crava os cinco dedos, cada vez mais penetrantes.
Ali estão todas elas, retesadas, tal qual vítimas de dores lombares, sem intenção de deixar transparecer qualquer coisa, ou como velhos e alquebrados militares (com as pernas levemente arqueadas, como se estivessem no alto de um monte inclinado). Mantêm-se em posição de sentido, reunindo força e concentração. Depois de alguns segundos, tomam uma decisão e, zumbindo, procuram erguer-se tanto quanto possível. Executam essa ação furiosa por longo período, até que a exaustão as obrigue a parar. Seguem-se uma pausa para descanso e uma nova tentativa. Mas os intervalos vão-se tornando mais e mais espaçados. Ali estão elas, e percebo seu desnorteio. Erguem-se uns vapores túrbidos. Suas línguas, tal qual pequenos martelos, passam a tocar o exterior. Sua cabeça é marrom e peluda, lembrando um coco, como ídolos negros antropomórficos. Inclinam-se para frente e para trás sobre as pequenas patas firmemente presas; ajoelham-se e se levantam, como fazem os homens ao tentar de todas as maneiras mover uma carga pesada demais; mais trágicas que os operários, mais verdadeiras na expressão esportiva que o extremo esforço de Laocoonte. E eis que chega o momento sempre igual e estranho em que a necessidade do segundo que passa triunfa sobre todos os sentimentos poderosos e permanentes do ser. É o momento em que um alpinista, ao sentir os dedos doendo, abre voluntariamente as mãos; o momento em que alguém, perdido, deita-se na neve como uma criança; o momento em que um perseguido pára, com os flancos a lhe arder. Elas já não têm mais forças para manter-se ali em baixo, vão afundando pouco a pouco e, nesse momento, são inteiramente humanas. Vêem-se de súbito presas numa nova posição, pela parte superior de suas patas, ou pela parte de trás do tronco, ou ainda pela ponta de uma das asas.
Vencido o esgotamento anímico, e retomada, depois de um breve momento, a batalha pela vida, estão agora em condições desfavoráveis, e seus movimentos se tornam antinaturais. Ficam pois deitadas, com as patas traseiras apoiadas nos cotovelos, na tentativa de se levantar. Ou sentadas no chão, enroladas, com os braços estendidos, como mulheres que buscam em vão desvencilhar as mãos dos punhos de um homem. Ou deitadas de bruços, com a cabeça e os braços para frente, como se tivessem sofrido uma queda em meio a uma corrida, com a cara para o alto. Mas o inimigo continua passivo, fazendo progressos graças aos instantes desesperados e confusos delas. Um nada, um isto, as vai puxando para dentro. Tão lentamente que mal se pode acompanhar e, na maior parte das vezes, com uma rapidez brusca ao final, quando lhes sobrevém o último esmorecimento interior. Elas deixam-se cair subitamente, com a cara para a frente e as patas separadas; ou de flanco, com todas as patas esticadas; não raro também, de lado, impelido para trás as patas como remos. E assim continuam ali. Como aeroplanos derrubados, com uma das asas apontadas para o ar. Ou como cavalos arrebentados. Ou com gestos infinitos de desespero. Ou como pessoas adormecidas. No dia seguinte, uma delas ainda volta a despertar; põe-se a tatear por instantes com a pata ou a vibrar as asas. Às vezes, tal movimento se dá em todo o grupo, para só então afundarem todas um pouco mais em sua morte. E nos flancos, na região da qual lhes saem as patas, resta-lhes um órgão qualquer, vibrante e pequeno, que pulsa ainda por um certo tempo. Para cima e para baixo - impossível caracterizá-lo sem uma lente de aumento -, assemelha-se a um minúsculo olho humano que se abre e fecha sem cessar.

(Robert Musil)

3.8.05

O disfarce perfeito

Morar numa casa centenária nos fundos de um quarteirão bem comprido. Cuidar da avó de 106 anos. Ser alto, negro e gay. Usar sempre muito incenso.

1.8.05

Comunicado ao Público

Adiantando-me à aprovação da lei do Aldo Rebelo, eliminei todas as expressões inglesas deste blogue, substituindo-as pelo calão inzoneiro. Penso, assim, ter prestado um serviço à Gloriosa Última Flor do Lácio e sobretudo aos leitores indignados com a existência de línguas estrangeiras.