14.10.06

Cerradas

Diego é um jovem singelo.
Enquanto escrevo estas tortas linhas, Diego mora em Rondonópolis, Mato Grosso, onde exerce devotadamente um importante cargo executivo numa das duas multinacionais norte-americanas responsáveis pela substituição da paisagem nativa dos chapadões locais por infinitas gondoleiras verdes de ração suína.
Embora more num bairro de elite, com seguranças e enormes sobrados, Diego demorou a acostumar-se à sujeira vermelha das ruas da nova cidade, às feições cafuzas de grande parte da população que, ao volante de seu jipe com ar-condicionado, precisa diariamente encarar nos trajetos de casa ao trabalho e para casa. Mesmo na fábrica, entre os subalternos ligeiramente mais instruídos, Diego sofre o incômodo sonoro da fala local, demasiado próxima do que ele considera baiano demais.
Diego quer acreditar que o presente cargo na multinacional norte-americana é um incômodo mas necessário estágio em sua ascensão profissional - que desde o MBA em agri-business vem prosperamente tomando a direção do mercado de commodities e, desde há alguns meses, de créditos de carbono -, mas a saudade da cosmopolita capital o faz suspirar na sacada de seu flat, de onde avista a rodovia federal e os silos prateados da multinacional concorrente.
A despeito do salário ainda apenas razoável, segundo seus anseios de consumo de classe média-alta, Diego é feliz. Tem, afinal, uma bicicleta de aço-carbono alemão que usa para fazer expedições atléticas e fotográficas (8 megapixels) às matas de galeria da região, únicas que, pela contigüidade contraproducente dos brejos e córregos, escaparam ao triunfo alimentar dos porcos chineses.
Um luzidio carro importado garante a Diego intensa receptividade em meio aos femininos contingentes de aborígenes que, ansiosos por genes branquinhos, abonados e, de preferência, paulistas, especializam-se com cada vez mais sucesso no nicho "jovens ricos de fora".
Diego talvez seja um rapaz de sorte.

5 comentários:

Anônimo disse...

Diego dá esmolas?

Érico disse...

Diego não dá esmolas, prefere oferecer 15 reais, em base mensal, a uma entidade que cuida de crianças indígenas com câncer e/ou paralisia cerebral. Além disso, colaborou com sincero interesse no projeto de RH da multinacional americana que incluiu entre seus funcionários diversas pessoas com deficiência mental.

Sérgio disse...

Nos miseráveis se tropeça muito pela cidade, no interior não se vê lá muitos (ou em menor quantidade).

Anônimo disse...

Ele não sente saudades da panfletagem imobiliária dos semáforos paulistanos?

Érico disse...

Não sente; Rondonópolis vive um (modesto, vá lá) boom imobiliário com a recente chegada de tantos avantureiros (no bom sentido); há propaganda: as mocinhas que distribuem panfletos imobiliários lá, se não são legião, exibem atributos mais selecionados e gostosos que as pobres feiosas de São Paulo. Há agências de modelos etc.