15.8.05

Brasília e Gaza

Há tempos, durante minhas sessões vespertinas de ócio criativo, venho desenvolvendo uma teoria de analogias geopolíticas cujo corolário mais vistoso e cheio de sex appeal será o que envolve nossa capital federal e os ermos desérticos da Cisjordânia e de Gaza. Acompanhem-me, se não for estorvo.
O Distrito Federal, todos sabem, é um retângulo de terra tomado a Goiás desde há muito para que fossem abrigadas as castas de funcionários públicos que, forçadas a deixar o Rio de Janeiro pela realpolitik do Sr. Kubitschek, viram-se sem mais nem menos arrojadas ao cerradão hostil e longe de seus times do coração. Com o tempo e os superfaturamentos, construíram-se superquadras, vias expressas e o PIB per capita de Brasília tornou-se o maior do país, às expensas do resto da população, que lhe sustenta os salários e jetons. O chamado Entorno, ao contrário, é pobre de dar (muito) medo, e abriga no mais das vezes migrantes goianos, mineiros e nordestinos desesperados por um emprego qualquer de faxina, chapa ou até mesmo cafezinho no Plano Piloto. São discriminados, como no resto do Brasil bacana, pela cor da pele e pelo sotaque e, errando no tráfego, ainda sofrem os piores impropérios, atirados pela elite branca e bacana: "goiano!" daqui, "goiano!" dali.
Ora, não saltam aos olhos as similaridades com Israel? No caso desse interessante e belo país, certo dia um bando de burocratas da ONU decidiu instalar no estreito naco de terra erma entre o Mediterrâneo e o Mar Morto um novo Estado. Do dia para a noite multidões de judeus deslocados pela guerra lá se instalaram, dando início à expulsão dos nativos para as bordas e quebradas do território, de quando em quando expandidas em guerras fáceis. (Estimam-se em 4 milhões os refugiados). Hoje os mesmos palestinos são a principal força de trabalho subalterno, e com sangue e suor cuidam da manutenção das fábricas e latrinas israelenses. A leitura dos jornais dispensa-nos de aludir a seu sofrimento nas mãos dos maiorais e novos donos do pedaço, verdadeiro escândalo ainda coroado com um muro à la Berliner.
Ainda comigo? Bem, é que lendo sobre a retirada israelense de Gaza, fiquei matutando sobre a possibilidade de retirar à força e sem indenização alguns moradores legislativos do Plano Piloto. Seus apartamentos funcionais (cerca de 500, fora os dos assessores) abrigariam com folga algumas famílias de miseráveis do Entorno, que teriam ainda o direito de inverter os xingamentos recebidos no trânsito: "goiano, sim, e de Rio Verde!" e...
Mas sei lá.

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